País pode virar potência se resolver problema da segurança pública. Tema emperra desde a economia até a saúde da população
Visitar países desenvolvidos pode ser um exercício interessante de reflexão sobre como funcionam temas como segurança pública, leis, educação e outros assuntos governamentais e sociais. Hábitos quiçá inimagináveis em grandes cidades do Brasil — tais como sacar do bolso um smartphone top de linha e ler mensagens durante horas, na rua, tarde de noite, ou mesmo utilizar um notebook nas mesmas condições — são alguns exemplos possíveis de praticar em países como Islândia, Eslovênia, Dinamarca e Áustria.
Outra constatação, para um olhar mais atento, é que as lojas de rua fecham bem mais tarde, por volta das 22h ou até mesmo 24h — ao contrário do Brasil, em que tal realidade só seria possível em shopping centers, por ser um espaço fechado e ter segurança privada. Mas e o que isso tem a ver com administração ou gestão?
Tudo. Além do bem-estar, vencido pela sensação de insegurança no Brasil, a economia deixa de girar, as lojas vendem menos e, com isso, menos empregos são gerados.
Para o administrador Cesar Campos, especialista em gestão pública e em gestão do conhecimento — também responsável por coordenar o programa “Delegacia Legal”, de modernização da polícia civil carioca —, o problema é complexo, mas pode ser gerenciado ou administrado. Ele diz que a segurança pública envolve elementos que vão desde a educação e a saúde (sobretudo mental), até infraestrutura, desigualdade social e falta de políticas públicas efetivas em tais segmentos.
“Uma rua mal iluminada pode ser um fator de aumento de criminalidade, assim como o aumento da taxa de desemprego e a educação pública de baixa qualidade. A ausência da presença do Estado em determinadas regiões também pode ser um fato de descontrole da criminalidade, assim como uma política pública ineficaz nesta mesma região”, exemplifica.
O especialista em gestão pública diz que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) criou um mecanismo para avaliar os custos da falta de segurança, adotada por organismos nacionais e internacionais. A violência na América Latina e Caribe, como exemplo, custa próximo de 3,5% do Produto Interno Bruto; porém, no Brasil, o valor sobe para 3,78% do PIB.
“O Brasil possui cerca de 700 mil presos, sendo que 40% deles estão encarcerados sem a devida condenação — são os chamados presos provisórios. Além disso, somente 15% deles trabalham e apenas 12% estudam: estamos falando de 400 mil jovens entre 18 e 29 anos, em idade produtiva e que estão sob a responsabilidade do Estado sem qualquer atividade laboral, sendo, portanto, um grande prejuízo econômico, social e psicológico”, relata.
Dados e benchmarking
O também administrador e consultor econômico, Leanderson Cordeiro, ressalta que a segurança pública deficitária gera indivíduos inseguros que deixam de frequentar espaços públicos, por medo de serem assaltados ou vítimas de violência. Além do prejuízo psicológico (emocional e mental), o problema afeta os negócios (aspecto econômico) quando bairros inteiros podem ter o comércio prejudicado, à medida que uma onda de crimes surge ou cresce na região.
Cordeiro estende o raciocínio ao transporte público, em que além do dilema logístico de haver pouca oferta de carros e alta densidade de pessoas por metro quadrado, ainda é afligido por assaltos, dentro e fora de ônibus, quanto em outros meios de transporte. Ele destaca dado da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), que aponta 7,4% em perdas financeiras, provenientes de furtos dentro das lojas — mesmo com aumento de investimento em monitoração por câmera e alarmes—, e a média de 916 veículos roubados ou furtados por dia, no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
“O Estado sozinho não conseguirá modificar essa realidade sem a participação da sociedade e de suas instituições; mas ele é, sim, responsável por puxar e organizar as ações necessárias para mudança em nosso país. Ele pode, por exemplo, melhorar o sistema educacional do país e, com isso, o caráter do indivíduo, além de gerar oportunidades de sustento financeiro no futuro”, destaca.
O administrador ressalta, ainda, que é preciso investir tanto em medidas preventivas, para evitar crimes, quanto punitivas — quando os delitos já foram praticados. Diz que o estado precisa investir em inteligência e informação e exercer o benchmarking (copiar boas práticas) de outros países do mundo para criar ambientes seguros.
Cordeiro diz que o Brasil tem orçamento de cerca de R$ 160 bilhões para investir em segurança pública. Porém, tem investido, em média, apenas 1,2% do orçamento com inteligência e informação.
“Precisamos nos antecipar aos problemas, que é uma das máximas da administração, e não ficar enxugando gelo, com ações pouco efetivas e caras. Somos uma potência, mas sem boa gestão, não sairemos do lugar”, sentencia.